Hoje, trago um texto escrito por Roberto Macedo, publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 20 de fevereiro de 2003. Segue abaixo.
"Poli vai receber mentes brilhantes da USP" foi o título de matéria deste jornal no dia 8 deste mês, revelando que a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo vai receber não só os três primeiros, mas, também, mais seis dos 20 primeiros colocados no recente vestibular da Fuvest.
Esses números são expressivos, mas a notícia não é uma grande novidade, pois tanto a Poli-USP como outras escolas de Engenharia usualmente atraem bons estudantes do ensino médio. Isso está na base da boa formação que tem levado os engenheiros não apenas ao sucesso nas ocupações típicas da profissão, nas suas várias especializações - Civil, Mecânica, Elétrica e outras -, como também a uma grande presença em áreas que muitos, mas não eu, consideram atípicas dos calouros de Engenharia e da formação que recebem nas faculdades. Não são atípicas porque são condizentes com seu preparo no que tem de genérico, conforme argumentarei em seguida.
Segundo pesquisas, considerável porcentagem dos engenheiros declara não trabalhar especificamente como tal ou em atividades docentes ligadas à área.
Já vi números que colocam esse índice em torno de 50%. Não conheço levantamentos que listem e quantifiquem as ocupações que exercem em outras áreas, mas é sabido que se tornam administradores em geral, analistas e executivos financeiros, auditores fiscais do Tesouro Nacional, empresários, e por aí afora. Na minha área, são vários os casos de engenheiros que se destacam como economistas, legitimados por um curso de pós-graduação nessa outra área.
Aliás, nos cursos de especialização conhecidos como MBA (Master in Business Administration), de que participo como palestrante, tenho percebido entre os alunos que, levando em conta o curso de graduação de origem, o grupo predominante é o dos engenheiros. Nesses cursos, quase todos os alunos, dessa e de outras áreas, já trabalham há algum tempo, freqüentemente em áreas "atípicas". Ao lado de novos conhecimentos, estão também interessados em legitimar-se ainda mais nessas outras áreas e em credenciar-se a novos desafios ocupacionais.
Sabe-se também que em alguns concursos públicos abertos aos concluintes de qualquer curso superior, como o dos já referidos auditores fiscais, é comum a predominância de engenheiros entre os aprovados, saindo-se melhor do que os graduados em Economia, Administração, Contabilidade e Direito, em provas mais voltadas para os currículos dessas quatro áreas.
Por que isso acontece? Além de terem, em média, uma melhor história educacional pré-vestibular, a Engenharia é usualmente um curso de tempo integral. Assim, grosso modo, seus estudantes dedicam ao curso cerca do dobro do tempo de seus concorrentes de outras áreas, muitos deles freqüentadores de cursos noturnos, combinados com o trabalho em tempo integral. Além disso, um estudante típico de Engenharia é bem capacitado no raciocínio lógico-matemático, recebe treinamento para resolver problemas e tem a disciplina de concentrar-se por várias horas diárias na solução deles e nos estudos do curso. Nem todos são tão brilhantes como os mencionados na reportagem, mas se superam com seu esforço e nas melhores condições que lhes são oferecidas por suas famílias e suas escolas de Engenharia.
Com isso desenvolvem mais aquilo que é o objetivo supremo da educação, o aprender a aprender. Num concurso como o citado, o problema passa a ser o de conhecer o programa das provas, buscar livros, apostilas e testes correspondentes, estudar, treinar e deixar para trás os concorrentes mal preparados, ainda que estes ostentem diplomas das matérias exigidas, belissimamente emoldurados, mas freqüentemente inúteis, porque, se tanto, apenas aprenderam, mas não aprenderam a aprender. E mais: dentro de uma empresa, os engenheiros podem entrar pela porta da fábrica ou das obras, mas têm condições chegar muito acima, como vários o fazem, até mesmo à presidência, depois de passarem por diretorias "atípicas" como as de finanças ou de marketing.
Nessas condições, o engenheiro é o profissional que mais se aproxima do perfil do chamado especialista eclético ou generalizante, que tem mais e melhores oportunidades no mercado de trabalho, ao ter mais bem desenvolvida a capacidade de aprender coisas novas na sua área ou fora dela, por interesse ou por necessidade.
Infelizmente, nossas escolas superiores, de um modo geral, enveredaram pelo caminho da especialização excessiva já no curso de graduação, um caminho precoce e equivocadamente imposto aos novos ingressantes, sem a preocupação de dotá-los, de modo geral, desse ecletismo que tipifica os engenheiros. Um caminho seria instituir o ciclo básico, ou "basicão", na forma de dois anos comuns para todos os ingressantes, e diluída também a restrição da escolha prévia da especialização a ser seguida. Nesses dois anos seriam enfatizadas as competências básicas, como essa do raciocínio lógico-matemático, o domínio da linguagem nas suas várias formas e uma visão geral de outras áreas, à qual não poderiam escapar passeios pela ética e pelas artes. E não estou aqui a divagar pela filosofia e pela estética. Pragmaticamente, nesse passeio buscariam lições indispensáveis, como as da ética para a boa convivência humana e as da arte para a criatividade. Voltando ao "basicão", só depois dele o estudante se comprometeria com uma especialização nos anos finais do curso, deixando a mais intensa para a pós-graduação.
Isso seria ótimo para todos os estudantes na sua experiência educacional e para seu futuro intelectual e ocupacional. Entretanto, a idéia ainda não atraiu os docentes e administradores do ensino superior brasileiro, hoje acomodados ao sistema atual, simplesmente repetindo práticas educacionais do passado, sem maior reflexão sobre elas. De um modo geral, o ensino superior brasileiro freqüentemente falha nos seus objetivos educacionais, mal utiliza os recursos de que dispõe e não dedica a devida atenção ao futuro dos jovens que passam pelas suas portas.
A alternativa do "basicão" seria ótima, inclusive, para os estudantes de Engenharia, ao iluminar-lhes desde já outros caminhos a que chegam às vezes depois de longos desvios, ao lado de tornar ainda mais brilhantes suas bem dotadas mentes.
"Poli vai receber mentes brilhantes da USP" foi o título de matéria deste jornal no dia 8 deste mês, revelando que a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo vai receber não só os três primeiros, mas, também, mais seis dos 20 primeiros colocados no recente vestibular da Fuvest.
Esses números são expressivos, mas a notícia não é uma grande novidade, pois tanto a Poli-USP como outras escolas de Engenharia usualmente atraem bons estudantes do ensino médio. Isso está na base da boa formação que tem levado os engenheiros não apenas ao sucesso nas ocupações típicas da profissão, nas suas várias especializações - Civil, Mecânica, Elétrica e outras -, como também a uma grande presença em áreas que muitos, mas não eu, consideram atípicas dos calouros de Engenharia e da formação que recebem nas faculdades. Não são atípicas porque são condizentes com seu preparo no que tem de genérico, conforme argumentarei em seguida.
Segundo pesquisas, considerável porcentagem dos engenheiros declara não trabalhar especificamente como tal ou em atividades docentes ligadas à área.
Já vi números que colocam esse índice em torno de 50%. Não conheço levantamentos que listem e quantifiquem as ocupações que exercem em outras áreas, mas é sabido que se tornam administradores em geral, analistas e executivos financeiros, auditores fiscais do Tesouro Nacional, empresários, e por aí afora. Na minha área, são vários os casos de engenheiros que se destacam como economistas, legitimados por um curso de pós-graduação nessa outra área.
Aliás, nos cursos de especialização conhecidos como MBA (Master in Business Administration), de que participo como palestrante, tenho percebido entre os alunos que, levando em conta o curso de graduação de origem, o grupo predominante é o dos engenheiros. Nesses cursos, quase todos os alunos, dessa e de outras áreas, já trabalham há algum tempo, freqüentemente em áreas "atípicas". Ao lado de novos conhecimentos, estão também interessados em legitimar-se ainda mais nessas outras áreas e em credenciar-se a novos desafios ocupacionais.
Sabe-se também que em alguns concursos públicos abertos aos concluintes de qualquer curso superior, como o dos já referidos auditores fiscais, é comum a predominância de engenheiros entre os aprovados, saindo-se melhor do que os graduados em Economia, Administração, Contabilidade e Direito, em provas mais voltadas para os currículos dessas quatro áreas.
Por que isso acontece? Além de terem, em média, uma melhor história educacional pré-vestibular, a Engenharia é usualmente um curso de tempo integral. Assim, grosso modo, seus estudantes dedicam ao curso cerca do dobro do tempo de seus concorrentes de outras áreas, muitos deles freqüentadores de cursos noturnos, combinados com o trabalho em tempo integral. Além disso, um estudante típico de Engenharia é bem capacitado no raciocínio lógico-matemático, recebe treinamento para resolver problemas e tem a disciplina de concentrar-se por várias horas diárias na solução deles e nos estudos do curso. Nem todos são tão brilhantes como os mencionados na reportagem, mas se superam com seu esforço e nas melhores condições que lhes são oferecidas por suas famílias e suas escolas de Engenharia.
Com isso desenvolvem mais aquilo que é o objetivo supremo da educação, o aprender a aprender. Num concurso como o citado, o problema passa a ser o de conhecer o programa das provas, buscar livros, apostilas e testes correspondentes, estudar, treinar e deixar para trás os concorrentes mal preparados, ainda que estes ostentem diplomas das matérias exigidas, belissimamente emoldurados, mas freqüentemente inúteis, porque, se tanto, apenas aprenderam, mas não aprenderam a aprender. E mais: dentro de uma empresa, os engenheiros podem entrar pela porta da fábrica ou das obras, mas têm condições chegar muito acima, como vários o fazem, até mesmo à presidência, depois de passarem por diretorias "atípicas" como as de finanças ou de marketing.
Nessas condições, o engenheiro é o profissional que mais se aproxima do perfil do chamado especialista eclético ou generalizante, que tem mais e melhores oportunidades no mercado de trabalho, ao ter mais bem desenvolvida a capacidade de aprender coisas novas na sua área ou fora dela, por interesse ou por necessidade.
Infelizmente, nossas escolas superiores, de um modo geral, enveredaram pelo caminho da especialização excessiva já no curso de graduação, um caminho precoce e equivocadamente imposto aos novos ingressantes, sem a preocupação de dotá-los, de modo geral, desse ecletismo que tipifica os engenheiros. Um caminho seria instituir o ciclo básico, ou "basicão", na forma de dois anos comuns para todos os ingressantes, e diluída também a restrição da escolha prévia da especialização a ser seguida. Nesses dois anos seriam enfatizadas as competências básicas, como essa do raciocínio lógico-matemático, o domínio da linguagem nas suas várias formas e uma visão geral de outras áreas, à qual não poderiam escapar passeios pela ética e pelas artes. E não estou aqui a divagar pela filosofia e pela estética. Pragmaticamente, nesse passeio buscariam lições indispensáveis, como as da ética para a boa convivência humana e as da arte para a criatividade. Voltando ao "basicão", só depois dele o estudante se comprometeria com uma especialização nos anos finais do curso, deixando a mais intensa para a pós-graduação.
Isso seria ótimo para todos os estudantes na sua experiência educacional e para seu futuro intelectual e ocupacional. Entretanto, a idéia ainda não atraiu os docentes e administradores do ensino superior brasileiro, hoje acomodados ao sistema atual, simplesmente repetindo práticas educacionais do passado, sem maior reflexão sobre elas. De um modo geral, o ensino superior brasileiro freqüentemente falha nos seus objetivos educacionais, mal utiliza os recursos de que dispõe e não dedica a devida atenção ao futuro dos jovens que passam pelas suas portas.
A alternativa do "basicão" seria ótima, inclusive, para os estudantes de Engenharia, ao iluminar-lhes desde já outros caminhos a que chegam às vezes depois de longos desvios, ao lado de tornar ainda mais brilhantes suas bem dotadas mentes.
Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade de Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
http://www.roberto.macedo.com/
http://www.roberto.macedo.com/
Um comentário:
kra,vi teu site quando tava procurando fotos de barragens,e gostei muito. Queria saber se tem algum problema se eu colocar teu link no meu profile do orkut. Só pra certificar, to mandando meu link:
http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?rl=t&uid=14214806647891875199
Parabéns pelo blog.
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